quarta-feira, 29 de maio de 2013

CLÁUSULAS ABUSIVAS SÃO BARRADAS PELO JUDICIÁRIO

Escritório Junqueira Advocacia ganha mais uma.



VISTOS. SÉRGIO CATARINO FELIX ajuizou ação contra SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE afirmando, em síntese, a ilegalidade do reajuste da prestação do plano de saúde com base na idade do usuário maior de 60 anos de idade. Consta da inicial que, desde junho de 2009, ao completar 66 anos de idade, a ré aplicou um aumento de 36,67% nas mensalidades do plano. Pede a procedência do pedido para que prevaleça somente o reajuste no percentual autorizado pela ANS. Inicial com documentos (fls. 02/104). Concedida a antecipação de tutela, a ré foi citada e apresentou resposta na forma de contestação (fls. 134/149vº). A peça defensiva é vazada na tese de que, quando da celebração do contrato, o autor tinha conhecimento de todas as cláusulas contratuais. Pugnou pela não aplicação da Lei 9.656/98. Alega que não há nulidade, tampouco abusividade nas cláusulas contratuais. Houve manifestação à contestação (fls. 170/173). É O RELATÓRIO. PASSO A FUNDAMENTAR E DECIDIR. 1. Os documentos acostados aos autos e as manifestações das partes são o suficiente para o julgamento seguro da demanda, tornando desnecessária a produção de outras provas. A propósito, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a necessidade da produção de prova há de ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique em cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do Magistrado (RE n. 101.171-8/SP, Rel. Min. Francisco Resek). A míngua de indício de eventual dano à defesa, é desnecessária a abertura de dilação probatória. “Presentes às condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do Juiz, e não mera faculdade, assim proceder” (STJ – 4ª Turma, Resp 2.832-RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 14.8.90, DJU 17.9.90, p. 9513). 2. Trata-se de ação em que o autor pretende a nulidade de cláusula contratual que autoriza o aumento da mensalidade de plano de saúde, com base na idade do consumidor. Os contratos cativos de longa duração envolvem serviços públicos ou privados, prestados de forma contínua e massificada, e geralmente com a utilização de terceiros para realização do objeto do contrato. Trata-se de serviços que prometem segurança e qualidade, serviços cuja prestação se protrai no tempo, de trato sucessivo, com uma fase de execução contratual longa e descontínua, de fazer ou não fazer, de informar e não prejudicar, de prometer e cumprir, de manter sempre o vínculo contratual e o usuário cativo. São serviços contínuos e não mais imediatos, serviços complexos e geralmente prestados por fornecedores indiretos, fornecedores- “terceiros”, aqueles que realmente realizam o “objetivo” do contrato, daí a grande importância da noção de cadeia ou organização interna de fornecedores e sua solidariedade. O contrato é de longa duração, de execução sucessiva e protraída, trazendo em si expectativas outras que os contratos de execução imediata. Estes contratos baseiam-se mais na confiança, no convívio reiterado, na manutenção do potencial econômico e da qualidade dos serviços, pois trazem implícita a expectativa de mudanças das condições sociais, econômicas e legais na sociedade nestes vários anos de relação contratual. A satisfação da finalidade perseguida pelo consumidor (por exemplo, futura assistência médica para si e sua família) depende da relação jurídica fonte de obrigações. A capacidade de adaptação, de cooperação entre os contratantes, de continuação da relação contratual é aqui essencial, básica. (...) Observadas estas especialidades dos contratos de serviço em questão, sob o signo da continuidade dos serviços, massificação e catividade dos clientes, prestabilidade por terceiros do verdadeiro objeto (ou interesse) contratual, internacionalidade ou grande poder econômico dos fornecedores e, acima de tudo, crescente substituição do Estado por fornecedores privados; conclui-se que os modelos tradicionais de contrato (contratos envolvendo obrigações de dar, imediatos e menos complexos), fornecem instrumentos para regular estas longíssimas, reiteradas e complexas relações contratuais, necessitando seja a intervenção regulamentadora do legislador, seja a intervenção reequilibradora e sábia do Judiciário.[1] Tais peculiaridades do caráter continuado e reiterado do serviço cativo impedem interpretar a respectiva obrigação do fornecedor estritamente nos termos em que ela foi originalmente contraída. Há que se levar em consideração fatores novos surgidos no curso da relação contratual, especialmente quando dizem respeito ao caráter equitativo que deve existir entre o serviço médico posto à disposição e a contraprestação exigida pelas operadoras de seguro-saúde. A natureza pública do serviço torna imperiosa a intervenção estatal na atividade, na forma de regulamentação, fiscalização e controle (artigo 197 da Constituição Federal), e justifica a discussão judicial dos critérios de reajuste. Pois bem. É de obviedade palmar que as empresas dedicadas à prestação de serviços na forma de plano de saúde, com o decorrer do tempo, tendem a se desinteressar pelos clientes mais velhos, vindo a preferir a rescisão dos contratos com eles firmados no passado. O interesse na formulação de contrato de plano de saúde repousa intensamente na finalidade de garantir assistência médica na fase mais delicada da saúde de qualquer pessoa, qual seja: a velhice. O artigo 15, da Lei n. 9.656/98, malgrado possibilite reajustes por faixa etária, veda-o para os maiores de 60 anos, cujo contrato tenha sido formulado há mais de 10 anos. A Lei n. 9.656/98 não vigorava à época da celebração do contrato, mas, dado o interesse público que encerra, tal qual o Estatuto do Idoso, tem caráter cogente em relação aos contratos em andamento a partir de sua vigência. Em outras palavras, a vedação de aumentos por faixa etária após os 60 anos do segurado é imposição do artigo 15, § 3º, da Lei 10.741/2003 c.c. artigo 15 da Lei 9.656/98, não ficando à disposição das partes optar por aplicá-la ou não à relação jurídica em andamento. Evidenciado que o reajuste aplicado é respaldado na idade de 66 anos completada pelo autor, é de rigor, a procedência do pedido inicial para declarar o descabimento do reajuste aplicado a partir de junho de 2009, além do reconhecimento da nulidade das cláusulas que determinam tais reajustes evidentemente discriminatórios. 3. Pois bem. Não há que se falar em restituição em dobro da quantia paga a maior, desembolsada para pagamento do reajuste tido por ilegal. Isso porque não se vislumbra, na presente hipótese, má-fé da ré na cobrança de tais valores, eis que havia expressa previsão contratual para tanto, muito embora, se tratasse de disposição nula, em razão de sua abusividade. Neste sentido: “CONTRATO. PLANO DE SAÚDE- Pedido de declaração de nulidade da cláusula que prevê a possibilidade de aumento das mensalidades em razão da mudança de faixa a partir dos 60 anos de idade, bem como devolução do que foi pago indevidamente – contrato firmado antes da vigência do CDC e das leis 9.656/98 e 10.741/03 – Entretanto, tais leis aplicam-se à espécie, por se tratar de relação continuada, tendo os fatos narrados ocorridos na sua vigência – Vedação da variação das contraprestações para os consumidores com mais de 60 (sessenta) anos de idade – Aplicação ao caso concreto, pois pendia evento futuro e incerto, de modo a não tornar adquirido o direito ao reajuste – Abusividade e nulidade dos reajustes por variação de faixa etária a partir dos 60 anos do apelado e sua dependente, devendo ser afastados, mediante apuração em liquidação de sentença – Determinação de devolução do valor excedente pago, com correção monetária e juros legais a contar de cada desembolso – Devolução de forma simples, não em dobro, por inaplicabilidade do parágrafo único do artigo 42 do CDC – Recurso provido em parte (Apel. 9202026-19.2009.8.26.0000 Rel. Des. Paulo Eduardo Razuk 1ª Câmara de Direito Privado j. 10.08.2010). Posto isso, e pelo mais que dos autos consta, confirmo a decisão que concedeu a tutela antecipada e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial para declarar a irregularidade do reajuste imposto pela ré a partir de junho de 2009, além de declarar a nulidade das cláusulas que preveem o reajuste das mensalidades de acordo com a faixa etária, devendo ser aplicado somente o reajuste anual fixado pela ANS. Dada sua sucumbência preponderante, condeno a ré nas custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios que arbitro em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). P.R.I. São Bernardo do Campo, 14 de maio de 2013. Maurício Tini Garcia Juiz de Direito

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