VISTOS. SÉRGIO CATARINO
FELIX ajuizou ação contra SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE afirmando, em
síntese, a ilegalidade do reajuste da prestação do plano de saúde com base na
idade do usuário maior de 60 anos de idade. Consta da inicial que, desde junho
de 2009, ao completar 66 anos de idade, a ré aplicou um aumento de 36,67% nas
mensalidades do plano. Pede a procedência do pedido para que prevaleça somente
o reajuste no percentual autorizado pela ANS. Inicial com documentos (fls.
02/104). Concedida a antecipação de tutela, a ré foi citada e apresentou
resposta na forma de contestação (fls. 134/149vº). A peça defensiva é vazada na
tese de que, quando da celebração do contrato, o autor tinha conhecimento de
todas as cláusulas contratuais. Pugnou pela não aplicação da Lei 9.656/98.
Alega que não há nulidade, tampouco abusividade nas cláusulas contratuais.
Houve manifestação à contestação (fls. 170/173). É O RELATÓRIO. PASSO A
FUNDAMENTAR E DECIDIR. 1. Os documentos acostados aos autos e as manifestações das
partes são o suficiente para o julgamento seguro da demanda, tornando
desnecessária a produção de outras provas. A propósito, o Supremo Tribunal
Federal já decidiu que a necessidade da produção de prova há de ficar
evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique em cerceamento de
defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos estão suficientemente
líquidos para embasar o convencimento do Magistrado (RE n. 101.171-8/SP, Rel.
Min. Francisco Resek). A míngua de indício de eventual dano à defesa, é
desnecessária a abertura de dilação probatória. “Presentes às condições que
ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do Juiz, e não mera
faculdade, assim proceder” (STJ – 4ª Turma, Resp 2.832-RJ, rel. Min. Sálvio de
Figueiredo, j. 14.8.90, DJU 17.9.90, p. 9513). 2. Trata-se de ação em que o
autor pretende a nulidade de cláusula contratual que autoriza o aumento da
mensalidade de plano de saúde, com base na idade do consumidor. Os contratos
cativos de longa duração envolvem serviços públicos ou privados, prestados de
forma contínua e massificada, e geralmente com a utilização de terceiros para
realização do objeto do contrato. Trata-se de serviços que prometem segurança e
qualidade, serviços cuja prestação se protrai no tempo, de trato sucessivo, com
uma fase de execução contratual longa e descontínua, de fazer ou não fazer, de
informar e não prejudicar, de prometer e cumprir, de manter sempre o vínculo
contratual e o usuário cativo. São serviços contínuos e não mais imediatos,
serviços complexos e geralmente prestados por fornecedores indiretos,
fornecedores- “terceiros”, aqueles que realmente realizam o “objetivo” do
contrato, daí a grande importância da noção de cadeia ou organização interna de
fornecedores e sua solidariedade. O contrato é de longa duração, de execução
sucessiva e protraída, trazendo em si expectativas outras que os contratos de
execução imediata. Estes contratos baseiam-se mais na confiança, no convívio
reiterado, na manutenção do potencial econômico e da qualidade dos serviços,
pois trazem implícita a expectativa de mudanças das condições sociais,
econômicas e legais na sociedade nestes vários anos de relação contratual. A
satisfação da finalidade perseguida pelo consumidor (por exemplo, futura
assistência médica para si e sua família) depende da relação jurídica fonte de
obrigações. A capacidade de adaptação, de cooperação entre os contratantes, de
continuação da relação contratual é aqui essencial, básica. (...) Observadas
estas especialidades dos contratos de serviço em questão, sob o signo da
continuidade dos serviços, massificação e catividade dos clientes,
prestabilidade por terceiros do verdadeiro objeto (ou interesse) contratual,
internacionalidade ou grande poder econômico dos fornecedores e, acima de tudo,
crescente substituição do Estado por fornecedores privados; conclui-se que os
modelos tradicionais de contrato (contratos envolvendo obrigações de dar,
imediatos e menos complexos), fornecem instrumentos para regular estas
longíssimas, reiteradas e complexas relações contratuais, necessitando seja a
intervenção regulamentadora do legislador, seja a intervenção reequilibradora e
sábia do Judiciário.[1] Tais
peculiaridades do caráter continuado e reiterado do serviço cativo impedem
interpretar a respectiva obrigação do fornecedor estritamente nos termos em que
ela foi originalmente contraída. Há que se levar em consideração fatores novos
surgidos no curso da relação contratual, especialmente quando dizem respeito ao
caráter equitativo que deve existir entre o serviço médico posto à disposição e
a contraprestação exigida pelas operadoras de seguro-saúde. A natureza pública
do serviço torna imperiosa a intervenção estatal na atividade, na forma de
regulamentação, fiscalização e controle (artigo 197 da Constituição Federal), e
justifica a discussão judicial dos critérios de reajuste. Pois bem. É de
obviedade palmar que as empresas dedicadas à prestação de serviços na forma de
plano de saúde, com o decorrer do tempo, tendem a se desinteressar pelos
clientes mais velhos, vindo a preferir a rescisão dos contratos com eles
firmados no passado. O interesse na formulação de contrato de plano de saúde
repousa intensamente na finalidade de garantir assistência médica na fase mais
delicada da saúde de qualquer pessoa, qual seja: a velhice. O artigo 15, da Lei
n. 9.656/98, malgrado possibilite reajustes por faixa etária, veda-o para os
maiores de 60 anos, cujo contrato tenha sido formulado há mais de 10 anos. A
Lei n. 9.656/98 não vigorava à época da celebração do contrato, mas, dado o
interesse público que encerra, tal qual o Estatuto do Idoso, tem caráter
cogente em relação aos contratos em andamento a partir de sua vigência. Em
outras palavras, a vedação de aumentos por faixa etária após os 60 anos do
segurado é imposição do artigo 15, § 3º, da Lei 10.741/2003 c.c. artigo 15 da
Lei 9.656/98, não ficando à disposição das partes optar por aplicá-la ou não à
relação jurídica em andamento. Evidenciado que o reajuste aplicado é respaldado
na idade de 66 anos completada pelo autor, é de rigor, a procedência do pedido
inicial para declarar o descabimento do reajuste aplicado a partir de junho de
2009, além do reconhecimento da nulidade das cláusulas que determinam tais
reajustes evidentemente discriminatórios. 3. Pois bem. Não há que se falar em
restituição em dobro da quantia paga a maior, desembolsada para pagamento do
reajuste tido por ilegal. Isso porque não se vislumbra, na presente hipótese,
má-fé da ré na cobrança de tais valores, eis que havia expressa previsão
contratual para tanto, muito embora, se tratasse de disposição nula, em razão
de sua abusividade. Neste sentido: “CONTRATO. PLANO DE SAÚDE- Pedido de
declaração de nulidade da cláusula que prevê a possibilidade de aumento das
mensalidades em razão da mudança de faixa a partir dos 60 anos de idade, bem
como devolução do que foi pago indevidamente – contrato firmado antes da
vigência do CDC e das leis 9.656/98 e 10.741/03 – Entretanto, tais leis
aplicam-se à espécie, por se tratar de relação continuada, tendo os fatos
narrados ocorridos na sua vigência – Vedação da variação das contraprestações
para os consumidores com mais de 60 (sessenta) anos de idade – Aplicação ao
caso concreto, pois pendia evento futuro e incerto, de modo a não tornar
adquirido o direito ao reajuste – Abusividade e nulidade dos reajustes por
variação de faixa etária a partir dos 60 anos do apelado e sua dependente,
devendo ser afastados, mediante apuração em liquidação de sentença –
Determinação de devolução do valor excedente pago, com correção monetária e
juros legais a contar de cada desembolso – Devolução de forma simples, não em
dobro, por inaplicabilidade do parágrafo único do artigo 42 do CDC – Recurso
provido em parte (Apel. 9202026-19.2009.8.26.0000 Rel. Des. Paulo Eduardo Razuk
1ª Câmara de Direito Privado j. 10.08.2010). Posto isso, e pelo mais que dos
autos consta, confirmo a decisão que concedeu a tutela antecipada e JULGO
PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial para declarar a irregularidade do
reajuste imposto pela ré a partir de junho de 2009, além de declarar a nulidade
das cláusulas que preveem o reajuste das mensalidades de acordo com a faixa
etária, devendo ser aplicado somente o reajuste anual fixado pela ANS. Dada sua
sucumbência preponderante, condeno a ré nas custas e despesas processuais, além
de honorários advocatícios que arbitro em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais).
P.R.I. São Bernardo do Campo, 14 de maio de 2013. Maurício Tini Garcia Juiz de
Direito
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